30 de agosto de 2018

Curto Circuito

#MeusPequenosClichês

Fone de ouvido, "Would like to say to you, but I don't know how", cabelo preso, tênis branco, mochila nas costas, celular no bolso do jeans rasgado, nas mãos um livro e uma mala enorme, que só atrapalhava o meu andar naturalmente atrapalhado.

16h53
Entro na estação agitada. Caminho para a plataforma do metrô - sentido bairro. Sinto falta da agitação de São Paulo. Não vejo a hora de chegar em casa.

17h06
LOTADO. Horário de pico é péssimo. Por que não lembrei disso? Péssima hora para se chegar na, não mais maravilhosa, mas sim sufocante São Paulo. Mais do que nunca quero apenas chegar em casa e desfalecer na cama.

17h14
Minha estação. AMÉM. Entre eu e a porta existe um mar de pessoas. Será que vou conseguir sair? Pego minha mala e luto contra a corrente de pessoas. Quando piso na plataforma, acelero o passo. Ainda preciso pegar um ônibus para ir pra casa. Quanto mais demorar para pegar o ônibus, mais cheio ele estará e mais trânsito eu pegarei.
Com a estação cheia, tento, fracassadamente, ir o mais rápido possível, mas tenho que driblar as pessoas que surgem e se movimentam rapidamente na minha frente. Vou esbarrando em todo mundo até que dou um esbarrão tão forte que vou parar no chão e minha mala em cima de mim. Meu livro escorrega até a beirada da plataforma e meu celular...
Estou tonta, desnorteada. Não consegui nem ver quem tinha esbarrado em mim. Ainda estou no chão e as pessoas passam em volta de mim correndo, me sinto num pesadelo, quão sufocante o metrô consegue ser.
O som antes compostos pelas melodias de "And after all... You're my wonderwall" agora são preenchidas por um barulho ensurdecedor de uma das estações de metrô mais movimentadas de São Paulo no horário de pico. Não escuto mais a música, cadê meu celular?
Ainda no chão, começo a olhar desesperadamente ao redor, procurando meu celular, mas não o vejo em lugar algum. As pessoas continuam passando a minha volta, aparentemente cada vez mais rápido, me deixando mais desesperada. Tento respirar fundo, olhando ao redor quando percebo um pessoa, talvez a única na estação que também esteja parada. 
Ele está um pouco distante, mas virado em minha direção, não consigo ver seu rosto, porque muitas pessoas passam correndo entre nós, mas sinto que ele está me olhando, quando finalmente vejo seu rosto, percebo um ar de preocupação. Cruzamos os olhares e ele começa a se mover em minha direção. Desvio o olhar e vejo seus pés se aproximando, entro em choque e não consigo me mover. Quando seus pés param bem na minha frente fico os encarando e ele pergunta:
- Tá tudo bem?
Continuo encarando seus pés, tomando coragem para encará-lo.
- Hummm - resmungo, sem saber o que falar - Está sim. - Falo subindo o olhar, analisando-o inteiro. - Perdi meu celular nessa trombada. 
Agora nos olhando fixamente ele me estende a mão para me ajudar a levantar. Levanto e ele me estende a outra mão, com a qual segura meu celular com o fone enrolado nele.
- Seu celular me acertou quando você se espatifou no chão. - Ele disse tentando segurar o sorriso no canto da boca, o que lhe dava um ar jovial.
Ele devia ter uns 24 anos, mas parecia bem cansado, com olhar de quem passou o dia sem olhar para olhos humanos, apenas focados na tela luminosa de um computador, fazendo-o parecer mais velho. e até desanimado com a vida. Seus cabelos castanhos estavam encantadoramente bagunçados. Vestia uma roupa social, mas sem gravata ou terno. Deveria ser algum desses jovens estagiários de banco, que trabalham muito, sonhando serem ricos um dia. Ele mantinha seu olhar cansado e perdido nos meus.
- Ahh, obrigada - eu disse pegando meu celular e arrumando meu cabelo. Desvio o olhar e sinto falta de algo, o quê?
Meu livro! Cadê? Volto a correr meus olhos pela estação.
- Tá tudo bem mesmo?
- Perdi meu livro - digo olhando para ele, que agora percorre a estação com o olhar, na tentativa de me ajudar a achá-lo.
- Alí! -  Ele disse empolgado se movendo na direção da plataforma. Me empolgo, e viro em sua direção, vejo andando rápido, mas antes que ele alcance meu livro, alguém o chuta sem querer e o livro cai nos trilhos do trem. Ele para na ponta da plataforma e olha para baixo desanimado. Vou até ele também desanimada.
- Me desculpa. - ele diz.
- Por quê? - Respondo virando em sua direção enquanto ele ainda encara o livro deitado nos trilhos. De perfil consigo ver mais claramente a sua jovialidade. - Relaxa, não tem problema, você tentou e eu já li esse livro umas 5 vezes.
Ele inclina a cabeça tentando ler a capa.
- A probabilidade do quê? - Ele continua com o olhar fixo no livro.
- A probabilidade estatística do amor a primeira vista.
Ele sorri e volta seu olhar a mim.
- Posso tentar pegá-lo para você.
- Ahh, não precisa, sério. Mas obrigada. - Dou um sorriso e indico que já vou indo.
O trem se aproxima, então antes que a plataforma se torne um caos novamente pego minha mala, viro de costas e caminho lentamente, pensando em seu olhar. Após dar uns 12 passos, me viro procurando seu olhar castanho e seu cabelo bagunçado. Quando olho o trem já está parado na estação, mas nada dele. Continuo procurando e a dois segundos de desistir, encontro seus olhos fixos em mim. Sorrio e ele retribui, abaixo o olhar sem graça ainda sorrindo e quando escuto o alerta da porta do metrô, olho-o novamente. Seu olhar permanece imóvel, fixo em mim, mas a troca de olhares dura pouco, pois somos interrompidos pelas portas do trem que se fecham acabando com aquela conexão, quase como um curto circuito.  

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