28 de fevereiro de 2019

Como o sol se põe

#MeusPequenosClichês

Sexta-feira, 15h da tarde. Voltei mais cedo para São Paulo, evitando o tão horrendo horário de pico.
Entrei no vagão. Havia apenas algumas pessoas. Sentei.
Gostava do metrô assim, vazio, com apenas algumas pessoas peculiares. Sentia falta de poder observar as pessoas entrando e saindo dos trens, com pressa, com calma. Gostava de ficar imaginando de onde elas vinham, para onde iam, o que faziam, quem eram, do que gostavam, qual eram suas histórias. Criava pequenas histórias de 5 minutos entre estações.
Aquela tarde tranquila era uma ótima oportunidade de matar a saudade de divagar no olhar de estranhos.
Sentada no meio do vagão 3, o mais movimentado da linha que eu costumava pegar, coloquei o fone de ouvido e apertei o botão do aleatório."Long drive, could end in burning flames or paradise". Encaixei o celular no bolso de traz do meu jeans, me acomodei no banco e comecei a olhar ao redor.
Dois bancos a minha direita estava um velhinho, todo observador também. Sua feição parecia tranquila, sem preocupações, me lembrava muito a calma que meu avô me transmitia. Trocamos olhares, ele sorrio e acenou com a cabeça, igualzinho meu avô, que saudade. Será que ele tinha netos? Seria ele tão amoroso com os netos como era meu avô comigo?
O trem parou na estação e algumas pessoas entraram. Uma menina, parecia ter 13 anos, segurava uma rosa e sorria espontaneamente. Seus olhos brilhavam, mas pareciam preocupados, ela suspirava e com certeza estava apaixonada. De quem havia ganhado a rosa? Do namorado? Do melhor amigo? Logo a cena veio na minha cabeça. O sinal bate, eles se encontram no portão da escola, ele segura a rosa atrás das costas e a surpreende. Eles são melhores amigos e ela não sabe como reagir. Ela pega a rosa e lhe dá um abraço. Eles não trocam palavras, mas ela sabe o que ele quer dizer. Ela o ama, assim como ele a ama, mas ela também ama a amizade dele, uma amizade tão forte e linda, que perdê-la pelo risco do amor, será que valeria a pena? Se eles ficaram antes de ela ir para o metrô eu não sei, o olhar dela não quis revelar, mas espero que, seja qual for a decisão dela, de arriscar ou não, que ela não se arrependa e cuide desse amor tanto quanto cuida da amizade deles.
Chegando na estação que costumo descer, não me levanto, vou até o final. Ainda está cedo e eu estou adorando essa viagem.
Várias pessoas entram no vagão de forma que ele fica cheio. Uma mulher exuberante entra no metrô e para na minha frente, fica de pé e com o olhar fixo na janela, provavelmente vendo seu próprio reflexo nas janelas escuras. Sobre o que ela pensa? Sobre o que reflete?
Duas estações depois o vagão começa a esvaziar de forma revelar a imagem de um menino de roupa social em minha frente. Sentado no banco oposto ao meu, ele está concentrado em um livro. Vejo apenas escrito "probabilidade" na capa e pela roupa imagino que seja algo sobre análise de investimentos, ou até mesmo quem sabe autoajuda profissional, mas não consigo ler o título inteiro, aparentemente minha miopia piorou. Ele segura o livro bem na frente do rosto de forma que não consigo ver sua feição, apenas seus cabelos castanhos bem penteados para o lado, que pareciam cheirosos e macios.
Após algumas tentativas finalmente consigo ver mais uma parte do título "A probabilidade estatística do amor...", não precisava ver o resto do título para saber qual era. Aquele era meu livro favorito. Depois de ver o título, queria mais do que nunca, ver seu olhar, saber se estava gostando do livro, e ai dele se não estivesse.
Pousei meus olhos nele, na busca de conseguir ver uma brecha de seu olhar ou algum movimento que entregasse sua opinião.
Na penúltima estação da linha, ele levantou o olhar procurando descobrir onde estava. Nossos olhares finalmente se esbarraram e eu o reconheci, era o engravatado que foi acertado pelo meu celular uma vez no metrô.
Ao perceber que estava na sua estação, ele levantou num sopetão, tentando chegar na porta antes que essa se fechasse. Antes que pudesse sair ele vira levemente a cabeça e me olha, acho que ele também havia me reconhecido. Antes de sair do trem ele então, levanta o livro a lateral do rosto, inclina a cabeça e sorri, como quem agradece a "indicação". Sorrio e faço reverência.
Ele sai, eu me levanto e corro pra porta. Olho para fora do vagão e antes que eu saia do trem, o vejo parado na plataforma, segurando o livro, com a mochila nas costas, parado me olhando, o que me faz congelar. Seu olhar não era claro. Devia estar se perguntando o que eu faria ou o que ele deveria fazer. Mas ninguém faz nada. Antes que possamos nos mover, as portas fecham e o trem parte.
Nossos olhares vão se perdendo da mesma forma como o sol vai se pondo: lentamente, até que de repente, já se foi.

27/08/18

Nenhum comentário:

Postar um comentário